"ESTRUTURAÇÃO DA PERSONALIDADE"
SEGUNDO A ANÁLISE TRANSACIONAL
Para entender melhor o pensamento de Eric Berne, vamos apresentar um pequeno histórico, bem como as cogitações que o levaram a suas conclusões.
A psicologia vem, desde o século passado, procurando se firmar como ciência, buscando princípios básicos, leis e fatos regulares, que pudessem ser generalizados para o comportamento humano. Mas os elementos componentes de todo esse jogo interno, dentro da personalidade, e os rótulos dados aos comportamentos que se exteriorizam, eram muito vagos, muito teóricos; descreviam aspectos globais do comportamento sem detectar dados específicos da problemática psíquica, tais como:
Neurótico - significando estado de conflito.
Psicótico - perda de contato com a realidade.
Psicopata - seres amorais, contra a sociedade.
Esquizofrênico - grau elevado de psicótico.
Todos eles são estados genéricos, globais.
Como vimos na experiência do Dr. Penfield, no capítulo da Psicocibernética, tudo fica gravado na memória.
Na mesma ocasião em que Dr. Penfield constatava esse registro na memória de tudo quanto acontece, Eric Berne, nascido também em Montreal em 1.910, psiquiatra, conseguiu identificar uma das unidades básicas do comportamento humano - unidade passível de observação, classificação e levantamento estatístico, o que dava à psicologia o direito de ser tratada como ciência. Essa unidade é a transação, significando o diálogo, a comunicação que estabelecemos com os outros e com nós mesmos. A técnica criada por ele possibilita ao ser humano estabelecer uma dinâmica harmoniosa e construtiva, jogando com os elementos registrados em sua psique. É no inter-relacionamento com o ambiente e com as pessoas que as características da personalidade se expressam e se revelam.
Eric Berne conseguiu elaborar uma nomenclatura simples, objetiva, descritiva, que possibilita encontrar cada elemento dentro de si e que facilita a comunicação consigo e com o terapeuta.
Ele observou que, no jogo das reações individuais, existe um determinado número de atitudes internas que são comuns a muitas pessoas. Apesar de fundamentalmente, no âmago, as particularidades da personalidade serem diferentes, existem posições que são iguais.
Observou que a mesma pessoa continuamente se modifica enquanto se comunica - expressão facial, entonação de voz; pode pôr nas palavras emoção, medo, ordem peremptória, conselho etc. Muda na estrutura da frase, no movimento do corpo, na postura, nos gestos, nos tiques, nas atitudes.
Por exemplo, a Mãe ralhando com o filho, quando toca o telefone, ao atender, é outra pessoa.
Duas pessoas brigando, se acontece um desastre, dilui a animosidade e começam se comunicando para se ajudarem. Aliás, foi a observação deste fato que levou Eric Berne a questionar - uma vez que a pessoa é a mesma em termos de estrutura, então, o que é que muda lá dentro?
Para entender as colocações de Eric Berne, que formulou a técnica da Análise Transacional, precisamos ter uma idéia de como se estrutura a personalidade, procurando perceber os registros que podem ter se firmado em nosso cérebro e que vão influir em nossas reações mentais e emocionais.
O ambiente é fator determinante na formação da personalidade. Somos o produto da maneira como os adultos agiram, pensaram e sentiram, da maneira como se relacionaram entre si e com a criança em formação. O ser humano, na infância, é totalmente dependente do meio ambiente. Não tem defesas próprias, nem no campo mental nem no campo emocional. No campo mental conhece pelo que lhe é apresentado, não tem discernimento nem capacidade de análise. No campo emocional, sua vida afetiva se desenvolve em consequência do intercâmbio com os seres do ambiente.
Por outro lado, a criança absorve avidamente aquilo que lhe é apresentado pelo ambiente, porque seu objetivo é justamente estruturar a sua personalidade e caminhar em sua maturação. Há uma tentativa contínua de conhecer o mundo e de sobreviver.
Sem dúvida, os Pais, deliberadamente ou inconscientemente, ensinam seus filhos, desde o nascimento, a como se comportar, pensar, sentir, perceber. Libertar-se não é fácil.
Naturalmente, o resultado desse intercâmbio com o meio depende da estrutura fundamental do ser, do temperamento, das tendências, por isso cada pessoa apresenta um resultado diferente, e estabelece alguns posicionamentos internos, que a Análise Transacional denomina de Posição Existencial. Esses posicionamentos são observáveis através das reações da pessoa diante do ambiente e começam possibilitando que se avance um pouco em direção ao âmago da personalidade.
Segundo Otto Rank (1.884-1.939), psicanalista Austríaco, o ser humano, antes de nascer, está em situação de grande conforto e bem estar - aconchego, temperatura estável, alimento. Ele e o ambiente estão em paz.
No momento do nascimento, ele passa desse estado de equilíbrio para um outro de grande desconforto - diferença de temperatura, fome, precisa sugar o alimento, respirar, sofre pequenas perturbações de saúde etc. Vão surgindo sensações de mal estar.
Com o passar do tempo, na dependência dos acontecimentos externos e, também, na dependência da interpretação que a criança dá aos estímulos que a cercam, interpretação que depende do esquema interno, da personalidade fundamental do ser, a criança vai desenvolvendo uma atitude de aceitação ou não aceitação do ambiente e de si mesma, de gostar ou não do ambiente e de si.
Em relação a si mesma, começa elaborando o princípio do autoconceito, que é aquela expectativa que cada um tem a respeito de si e que vai ou não se confirmando através da experiência social.
O autoconceito, por incrível que pareça, começa se estabelecendo desde a fase intra-uterina, pela aceitação ou rejeição por parte da Mãe. Atualmente, a psicologia coloca o autoconceito como o núcleo da personalidade, em torno do qual todos os outros valores vão se agrupando.
Nos entrechoques com o ambiente, o ser pode chegar a 4 posições existenciais ou seja, ele estabelece um juízo positivo ou negativo em relação a si mesmo e em relação aos outros:
1. Eu sou OK, você é OK.
Quer dizer que estou satisfeita, sou útil, tenho valores que posso dar aos outros e, em compensação, os outros têm muito para me dar. Esta posição, desenvolvida em exagero, pode gerar uma pessoa utópica, incapaz de enxergar a realidade dos fatos.
2. Eu não sou OK, você é OK.
Eu não tenho nada para dar, sou incapaz. Você, sim, é que tem valor. Leva o indivíduo a um estado de reclusão - ele não se sente bem consigo mesmo e é penoso cercar-se de pessoas OK. São alvo de neuroses e conflitos. Criam situações perante os outros para provar o estado Não OK e para serem rejeitadas. Fazem observações indelicadas e cometem atos inadequados.
3. Eu não sou OK, você não é OK.
Eu não sirvo para nada e você também não tem valor. Esta é a posição mais comum, uma vez que o adulto tende a depreciar a criança que, por sua vez, considera o adulto como um ser sobrenatural, quase milagroso, porque consegue fazer uma porção de coisas que ela não é capaz de fazer. Em indivíduos que assumem essa posição, a capacidade de raciocinar, de ver as situações de maneira clara, desaparece. Leva à doença mental, psicoses, perda do contato com a realidade. Para confirmar a posição rejeita afeto. No caso da criança autista, aquela que é indiferente a estímulos, esta pode ter sido a posição inicial. É posição perdedora; o indivíduo não tem meta e não chega a parte alguma.
4.- Eu sou OK, você é não OK.
Eu tenho muito para dar e você não serve para nada. Prefiro ficar só. É especialista em afastar os outros, em livrar-se dos outros e até em chutar os outros. Por exemplo, em uma sala de aula, ou em uma palestra, faz perguntas complicadas para derrubar o dirigente. Está sempre ditando as coisas, tem a última palavra. Interessante que uma análise desta posição demonstrou que ela resulta de um ambiente hostil. A estatística demonstra que são pessoas que foram muito agredidas, espancadas, abandonadas. O estado Ok. vem do processo de recuperação das dores. Resulta em pessoas amorais, que agem contra a sociedade, em criminosos psicopatas que consideram o crime justificável. Uma vez que ninguém é OK, é necessário limpar o ambiente. Recusam-se a aceitar carinho.
Na verdade, cada pessoa tem uma posição fundamental, mas todos passeamos através das várias posições nas diferentes situações da vida. Existem pessoas, por exemplo, que são OK no serviço e Não OK em casa, junto aos familiares.
Normalmente, a posição fundamental é assumida aos 7 anos e, daí, a importância do ambiente para as crianças menores. Após os 7 anos, só conseguiremos modificar as posições através de uma conscientização e de um esforço pessoal, orientado por profissionais da área psicológica.
Além destas 4 maneiras de perceber o mundo, a Análise Transacional identificou outros registros, mais específicos, que mostram as influências que vamos recebendo ao longo da vida. A esses registros ela dá o nome de Estados do Ego.
3 - Como surgem os Estados do Ego.
Estados do Ego são formas de interpretar o mundo, de reagir perante os acontecimentos e perante as pessoas, em virtude da maneira como nossa personalidade se estruturou. Essas nossas formas de interpretar o mundo passam a se constituir em verdadeiros departamentos internos. A análise desses departamentos, que são bem específicos e descritivos, abre novas e mais amplas portas para se compreender a pessoa humana.
Eles classificam 4 Estados do Ego:
a) Criança Natural = CN;
b) Criança Adaptada = CA;
c) Departamento Pai = P;
d) Departamento Adulto = A.
a) CN - A criança, na sua forma natural, sem pressões do ambiente, seria espontânea, autêntica, alegre, bem humorada, explosiva nas situações emotivas, mas, ainda assim, simples, confiante, criativa, com um sexto sentido próximo da intuição.
Sua percepção é global - se entra em um determinado lugar, percebe tudo sem identificar pormenores.
A criança experimenta a vida e se relaciona com o ambiente através da emoção. Ao passo que vai estruturando conceitos, vai, principalmente, sentindo a vida. Não conclui com o mental. Conceitua a vida através das impressões agradáveis ou desagradáveis.
Esta capacidade de expressar emoções de maneira espontânea, de sentir intensamente a vida deveria persistir como um departamento dentro do homem, como um
estado do Ego, que Eric Berne denominou de "Estado de Criança Natural” - CN.
É um dos departamentos que devem atuar dentro de cada indivíduo e que fornece capacidade de agir com espontaneidade, autenticidade, alegria, bom humor, sem defesas, sem se preocupar com a opinião alheia que é um grande fator de perturbação interna. A Criança Natural desenvolve um conceito de vida sentido.
Uma das ultimas palavras em psicologia, a Análise Transacional nos diz que o homem nasce com 5 emoções básicas:
Amor, que abrange a sexualidade.
Alegria
Tristeza quando haja causa real
Raiva
Medo
Vejamos, porém, o que acontece com essas emoções da Criança Natural, quando vivenciadas de modo desequilibrado.
Se o ambiente favorecesse, cresceríamos com a capacidade de externar essas emoções de forma autêntica e espontânea, sadia. Acontece, porém, que o ambiente dentro do qual crescemos exerce determinadas pressões sobre o ser em formação, pressões que o levam a desvirtuar, a distorcer essas emoções fundamentais.
As pressões que recebemos têm inúmeras possibilidades, mas, muito importantes na desestruturação desse departamento chamado Criança Natural são as pressões que podem operar por negações ou proibições, que recebem o nome de injunções, e por afirmativas ou sugestionamentos, que recebem o nome de atribuições, assunto este que será mais amplamente abordado no Item 6 deste capítulo.
Se observarmos a criança que vive ao nosso redor, veremos que ela está continuamente debaixo de uma atmosfera de proibições, uma vez que o ambiente oferecido por nossa civilização, nas cidades grandes particularmente, não é apropriado para ela. Por essa razão, sempre que a criança toma a iniciativa de agir por conta própria, ou resulta em um ato perigoso, ou, por uma centena de outras razões, em um ato proibitivo. Não faça... Cuidado... etc.,
Proibições sem comunicação explicativa criam preconceitos. Se disser: Não toque no terminal elétrico, sem explicação, já dá preconceito. Se generalizar: Nunca toque em nada elétrico, a criança passa a agir de maneira supersticiosa, compulsiva, neurótica.
Ao mesmo tempo em que o ambiente é riquíssimo em proibições, o adulto tende a colocar expectativas, que a Análise Transacional chama de Atribuições. Dizer eventualmente você é uma menina boazinha, tudo bem. Mas, se isso for feito continuadamente, acaba por imprimir uma obrigação de manter a imagem e a criança passa a não exteriorizar as emoções e atitudes condenadas, como raiva etc..
Normalmente, as atribuições, ou seja, as expectativas, quando seguidas, são reforçadas; as injunções, ou seja, as proibições, quando desobedecidas, são punidas.
Constituem, também, hábitos perniciosos:
a- tachar, rotular a criança: "Ele é mesmo teimoso, não adianta; ele é preguiçoso, nunca faz a lição". A criança passa a trabalhar para fazer jus a essas afirmativas;
b- emitir certos desabafos irrefletidos e que são tomados como verdadeiros: "Você não entende nada! Não se meta, vá brincar!".
Diante das pressões, a criança vai se modificando para ajustar-se. Percebe que, para conseguir uma certa tranquilidade dentro do ambiente, deve satisfazer o adulto.
São exemplos, retirados da bibliografia anexa, e que mostram resultados de influências recebidas na infância e que acabaram distorcendo a maneira espontânea de perceber o mundo.
1. Certo rapaz, que apresentava uma atitude de grande acomodação, que se recusava a enfrentar as situações, ao ser examinado, verificou-se que, quando pequeno, possuía um irmão menor com o qual tinha muitos desentendimentos. Toda a vez que ele reagia contra esse irmão menor, com razões justas, os adultos, sem analisarem a situação, o repreendiam e o castigavam, dando a entender que ele era covarde. Com o passar do tempo, ele verificou que, se ao invés de reagir, assumisse uma atitude de contrição, de mágoa, tristeza, o ambiente se tornava completamente favorável. Mudou a tática, pois sempre que ele chorava, se queixava, lá vinha o adulto, sem analisar a situação e repreendia o irmão menor. Com a repetição, ano após ano, concluiu intuitivamente, sem análise: "Não posso ter raiva, não devo reagir - o melhor é dar mostras de fraqueza e logo aparece alguém para dar a solução". E transferiu esta atitude de passividade, de vítima, para toda a área da combatividade.
2. Certa moça, que apresentava grande problema de depressão, ao ser examinada, foi constatado. Quando tinha de 2 a 3 anos, o Pai levantava cedo e saía para o serviço antes dela acordar. Todavia, ele era importante para ela, que o aguardava ansiosa até à noitinha. Acontece, porém, que ele sempre voltava do serviço com muita dor de cabeça e tinha necessidade de silêncio. A filha, contudo, ao vê-lo, grita e faz barulho; sente-se alegre, mas o Pai, dentro do mal estar que sentia, diz, sistematicamente: "Vá brincar mais longe. Não gosto que você faça assim!" Dia após dia, sem entender que o Pai tem dor de cabeça, cria idéia - "não posso estar alegre, não posso ser feliz". Desloca o estado de alegria para o de tristeza, angústia.
3. Certa mocinha que apresentava permanente e incurável eczema nas faces e grande dificuldade de relacionamento com o sexo oposto, ao ser examinada constatou-se. Quando ainda não tinha 4 anos, o Pai, alcoólatra, era bruto, batia e gritava por qualquer razão. A menina se escondia nos mais variados lugares. Determinado dia, esse Pai chegou extremamente bêbado, tomou de um facão e começou a correr pela casa. A menina, desesperada e apavorada, escondeu-se no armário de roupas. Estava escuro e coisas roçavam o seu rosto. Além do eczema, decidiu que os homens são feras. Depois de inúmeros contatos malogrados, acabou escolhendo um homem igual ao Pai. Casou-se com um alcoólatra.
4. É muito comum os adultos procurarem impedir um choro desencadeado com razões reais, como dor, frustração etc., com o chavão: "Pare de chorar senão você apanha!”
5. Certo Pai achou que o melhor para educar era negar tudo o que a criança desejasse e dar outra coisa no lugar.
A criança começou percebendo que seus desejos não se realizavam e que, quanto menos externasse desejos, maiores as probabilidades. Viu também que, se não externasse o desejo antes, mas chorasse desapontada na hora, revelava que não era aquilo que ela queria e decidiu que chorar era também indesejável. Seu Pai gostava que ela não desejasse nada, que não pedisse nada e que não chorasse quando desapontada. Foram conclusões dessa criança: não posso externar desejos, não posso pedir nada a ninguém, não posso chorar.
6. Certa menina notou que sua Mãe era preguiçosa e irresponsável, mas vivia cobrando os desempenhos do Pai. Um belo dia, inocentemente, espontaneamente, com o raciocínio de adulto, fez a seguinte pergunta: "Mamãe, como é que você fica brava com o Papai quando ele não apara a grama quando você deixa uma pilha de pratos sujos na pia da cozinha? ”A Mãe recebe com o seu orgulho ferido e, furiosa, responde: "Banque a espertinha mais uma vez e vai ver o que acontece". Naturalmente passou uma mensagem "não pense".
7. Certa senhora conta que seus Pais eram muito bravos e implicantes. Sempre a ridicularizavam quando chegava da escola empregando palavras elegantes que aprendera. Ao empregar a palavra preconceito, seu Pai reagiu completamente irritado: "Cale essa boca menina senão vou acabar preconceituando você".
Raramente se descobre que um dos Pais tenha dito ao filho: "Eu quero que você morra" ou "Não quero que você pense" ou "Você não vale absolutamente nada". Descobre-se, todavia, que esses tipos de afirmativas são passadas à criança na forma de comunicações veladas, que se introjetam inconscientemente.
Essas pressões e muitas outras fazem com que modifiquemos nossa maneira de reagir, com que percamos a espontaneidade.
Esse estado de incapacidade de exteriorização das emoções autênticas, esse estado de distorção da emoção, forma um departamento interno chamado Criança Adaptada - CA.
c) - Como surge o Departamento Pai =P.
Já vimos dois departamentos de nossa natureza interna - Criança Natural - CN e Criança Adaptada - CA.
CN - a pessoa é espontânea, autêntica, confiante, desinibida, criativa, tal como a criança o é.
CA - departamento das emoções recalcadas, distorcidas. Sede de todas as reações emocionais que estiveram ligadas aos acontecimentos que cercaram o indivíduo quando ele era pequeno, e que vão se registrando nesse departamento e se encontram nítidos dentro do adulto. Todas as nossas reações emocionais de hoje vêm desse departamento, portanto, dependem da qualidade dos registros aí colocados. Quando surgem circunstâncias semelhantes, estímulos semelhantes, a fita gravada volta a tocar e surgem sentimentos inesperados - insegurança, frustrações, rejeição etc. A fita distorcida é mais nítida, mais forte do que a fundamental, da Criança Natural.
O que acontece dentro de nós é que, ao passo que a CA vai crescendo e se robustecendo, a CN vai definhando. Nossa personalidade é como um fluxo de água em vasos comunicantes. São cinco vasos, departamentos ou sistemas que deveriam interagir de forma harmoniosa, conforme veremos mais adiante.
Além desses dois departamentos, existe um terceiro chamado Pai, que vai se estruturando ao mesmo tempo.
Então, o que é o Pai? É o registro de todos os dados que nos foram sendo passados pelos adultos que conviveram conosco na fase de maturação e que nos foram transmitindo um determinado conceito de vida - Pai, Mãe, Padre, Professores, meios de comunicação etc. Nas apresentações da TV, por exemplo, a criança não vê a cena inserida no contexto, guarda apenas a imagem da cena. Não percebe causas, implicações, registra o fato que, na maioria dos casos, é perturbador.
O Pai é o acúmulo de registros de dados impostos, não questionados. A criança é incapaz de analisar e toma tudo como certo. Para ela, o adulto é uma imagem de perfeição e, por sua vez, a criança é extremamente imitativa. Vai incorporando os conceitos e preconceitos.
Os preconceitos se instalam no departamento Pai por falta de conhecimento das causas, por falta de comunicação do adulto explicando os porquês de determinadas restrições, as razões de determinadas atitudes, enfim, pelo fato das situações não serem discutidas.
Vamos citar alguns exemplos de vivências não explicadas, transmitidas com falta de comunicação e que geraram problemas na vida adulta, exemplos retirados de relatos médicos, a fim de mostrar o quanto os acontecimentos da infância influem, de maneira inconsciente, em nosso comportamento adulto.
1. Certa Mãe insistia de forma obsessiva: "Nunca coloque casaco em cima da cama ou na poltrona, tem que ser no banheiro". A criança cresce, tem filhos e continua o hábito. Até que, um dia, uma das crianças questiona: "Mas por quê, Mãe? O casaco está ai na cama porque estou acabando de me arranjar e já vou para a escola". A Mãe cai em si e vai perguntar a sua Mãe por que casacos têm de ser colocados no banheiro e, finalmente, descobre a causa - "É que vocês frequentavam escola de baixo nível e havia permanentemente epidemia de piolhos".
2. Certa dona de casa, ao receber de presente do marido, como surpresa, uma unidade destruidora de lixo, entrou em desespero. Mandou que parassem a instalação e retirassem o aparelho de dentro de sua casa. Sua reação foi de tal forma desequilibrada que ela foi levada a consultar um especialista, para verificar a razão desse pavor pelo aparelho. É que, em 1.930, na depressão econômica, o lixo era cuidadosamente guardado para os porcos e retirado toda a manhã com grande solenidade. Fora fortemente repreendida por deixar pequenos bagaços de fruta fora do lixo.
Estes são exemplos nítidos de causas não explicadas. Ordens dadas sem contexto. A menina passou a ver o lixo como algo sagrado.
Ao lado destes exemplos identificáveis, existem, todavia, pressões do ambiente que permanecem confusas, de difícil identificação e que, infalivelmente, continuam influenciando nossas reações, de maneira inconsciente.
Naturalmente, o resultado das pressões depende da maneira como cada criança interpreta o que está acontecendo. As reações ficam em função da estrutura interna de cada um, da personalidade fundamental, tanto que as mesmas influências provocam resultados diferentes.
Por exemplo, se o ambiente transmite insistentemente a mensagem: "Fique quieto, não se mexa".
- Uma pessoa pode parar na hora, mas dará um jeito de se mexer depois.
- Outra, pode continuar mexendo, mesmo que haja represálias maiores.
- E uma terceira, pode não se mexer nunca mais.
Neste departamento se registram, também, outras inúmeras conotações, tais como:
- As brigas dos adultos como algo terrível que vai acontecer;
- As múltiplas incoerências. O adulto castiga porque mentiu. Toca o telefone e um deles diz: "Diga que não estou”. "Não fume, a ciência diz que faz mal, que provoca câncer". Mas a TV mostra a figura do sucesso, iates, beleza física, amores extremamente tranquilos. Isto quando não é um dos próprios adultos que está fumando.
A criança percebe que não é seguro questionar, sente medo, instala-se a confusão, e a criança desliga a capacidade de analisar os acontecimentos, torna-se ambivalente, incapaz de resolver as situações.
Todos estes registros preconceituosos, não esclarecidos, impostos, coercitivos, mil vezes incoerentes, vão se instalando no departamento chamado Pai - P.
Mas os adultos podem transmitir, também, um outro aspecto - o da superproteção. Para certos Pais, a criança nunca cresce, nunca está preparada para a vida. Além dessa superproteção da família e que também pode ser de professores e outros adultos, existe o fato da dependência econômica, que se prolonga até o final da Universidade. Ao mesmo tempo, o contexto social não permite ao indivíduo passar por muitas experiências, o ambiente é restritivo. Isso gera um estado interior de insegurança.
Os adultos legam também fatores positivos tais como o "know how", o como fazer as coisas, o como conviver com as pessoas, o como adaptar-se às exigências sociais. Transmitem a cultura, a tradição, os valores morais, a capacidade afetiva etc.
Todas essas influências do meio ambiente se estruturam dentro da personalidade, resultando em dois tipos característicos de comportamento:
- Pai Crítico -PC - aquele que está sempre julgando, criticando, moralizando, que está sempre ditando regras, expressando conceitos, além de controlador das vidas alheias.
- Pai Protetor - PP - aquele que está sempre apoiando, protegendo, ensinando, agradando. O perigo deste estado de ser é o de que pode pecar pelo excesso - começar fazendo tudo pelo outro. São aquelas pessoas que, na educação, passam a fazer tudo pela criança, procurando evitar todas as dificuldades, tirar todos os empecilhos do caminho etc.
Não podemos dizer que esses 4 departamentos já estudados sejam bons ou maus, porque depende da aplicação que a pessoa vai fazer desses elementos.
Para induzir a uma reação adequada, existe outro departamento que recebe o nome de Adulto - A.
Sem o Adulto, a pessoa estaria impossibilitada de fazer a triagem dos dados recebidos a fim de aplicá-los adequadamente.
O Adulto processa os dados registrados no computador interno e, conforme a habilidade e a flexibilidade desse departamento, decide pela reação, que pode ser ou menos, ou mais apropriada à situação, na dependência do estado de equilíbrio ou desequilíbrio da personalidade.
d) - O Departamento “Salvador”.
Já conhecemos os departamentos:
- Criança Natural - CN, parte nossa autêntica, espontânea, descontraída, criativa;
- Criança Adaptada - CA, departamento que guarda a parte interna que foi se adaptando conforme pressões do ambiente;
- Pai Crítico - PC, que absorveu os preconceitos, cenas de desentendimentos sem explicações, incoerências e assumiu atitudes moralizadoras, sempre ditando o que deve ser feito, pois é dono da verdade;
- Pai Protetor - PP, atitudes que se exteriorizam com características de proteção, carinho, podendo ser, às vezes, excessivamente complacente.
Estes 4 departamentos formam um arcabouço confuso, que perturbam as reações atuais do indivíduo, impedindo uma nitidez de comportamento.
Para sair desse impasse, precisamos desenvolver um outro departamento que se chama Adulto - A.
Em primeiro lugar, esse departamento não diz respeito à idade cronológica. A criança em idade pode ter esse departamento e o adulto em idade pode não tê-lo.
Então, o que é o Adulto? É a capacidade de formar um conceito de vida pensado, conceito elaborado pela própria pessoa. Nosso contexto não desenvolve este departamento, ele precisa ser criado através de uma reeducação.
Adulto é o departamento que toma consciência das informações colocadas à revelia dentro dos vários departamentos e tem capacidade de avaliar e atualizar para aplicar tudo de maneira eficiente e produtiva no presente. Sua principal característica é o discernimento.
O Adulto é executivo e funciona utilizando o pensamento lógico. Busca soluções. Faz uma avaliação, independente e objetiva da situação, e exprime esse processo de maneira mental. Sabe ouvir e convencer com argumentos. Emprega questionamentos que restabelecem a verdade: Por quê? Onde? Quem? De que modo? Para quê? Por quanto tempo? etc.
Focaliza os problemas que envolvem a situação e chega, de modo não preconceitual, a conclusões racionais.
O problema é que o Adulto chega atrasado porque os Pai Protetor, Pai Crítico e Criança Adaptada são circuitos primários. Daí a necessidade do sábio e conhecido provérbio: Antes de resolver, conte até dez.
Quanto mais este departamento cresce, mais as reações emocionais desordenadas da Criança Adaptada vão se normalizando.
Para cumprir sua função, o Adulto precisa:
1. Examinar os dados do Pai Crítico e do Pai Protetor e ver se são verdadeiros e válidos. Pode aceitar ou rejeitar.
2. Examinar os dados da Criança Adaptada e ver se os sentimentos são apropriados, se são justos para a realidade.
Não é acabar com esses departamentos perturbadores, mas é ser livre para elaborar um juízo sobre seus conteúdos. Cada um dos 5 departamentos, também conhecidos como Estados do Ego, tem o seu valor no sentido de contribuir para uma personalidade equilibrada.
O Adulto é um departamento orientado para a realidade que está sendo vivida dentro do aqui e agora. Faz uma coleta das evidências de forma objetiva e organizada, avalia probabilidades e tem capacidade de adaptação, qualidade que, hoje em dia, dentro da psicologia, é sinônimo de inteligência. Preocupa-se em transformar estímulos em elementos de informação. Calcula tudo desapaixonadamente. Processa dados e arquiva com base em fatos reais e não em conjecturas.
O Adulto vai crescendo e se fortalecendo pela interação da pessoa com o mundo exterior, daí a necessidade de passar por experiências reais a fim de que possa descobrir por si o melhor caminho a seguir. Não adianta teoria e sermões. Mil palavras não valem pequenas experiências. Há necessidade de treino. É como para fortalecer um músculo.
Alguns pontos que facilitam ou dificultam o processamento dos dados na fase adulta:
- Quanto mais tiver havido diálogo explicativo na infância, mais fácil, quanto menos, mais difícil;
- Quanto maior o número de incoerências, mais difícil.
- Quanto mais for a criança colocada diante de duas alternativas desagradáveis, como por exemplo: "Ou come espinafre ou fica sem sorvete", mais vai perdendo a noção da lei das probabilidades. Não consegue ver as boas probabilidades para sair das dificuldades, para encontrar a solução, sendo que o jogo de alternativas é um dos recursos com os quais o A conta para testar a realidade.
Como a personalidade é um verdadeiro fluxo em vasos comunicantes, para fortalecer o Adulto precisamos começar por ressuscitar a Criança Natural. Ser alegre, saber divertir-se sadiamente, ter senso de humor.
A análise do fluxograma de uma pessoa pode enganar muito à primeira vista. Podemos pensar que temos um grande Adulto e, na verdade, o que temos é uma grande Criança Adaptada. Focalizaremos isso no próximo item.
4 - O fluxograma da personalidade.
A base do egograma é a seguinte:
Antes de ver o fluxo interno de nossa personalidade, vamos procurar perceber onde nos situamos em termos desses departamentos. Para isso, precisamos conhecer as características aparentes de cada um deles. Cada departamento que está fortalecido, leva a pessoa a tomar determinadas atitudes externas, como por exemplo:
Pai Crítico - dedo em riste (se não tem noção de Análise Transacional., é típico. Se tem noção, começa escondendo o dedo). É o manda chuva, tem ar compenetrado, sobrancelhas cerradas, voz firme, áspera. Seja no posto profissional ou na intimidade, dá gritos impositivos, que se diferenciam dos gritos da Criança Adaptada, que são mais lamurientos, queixosos.
Emprega muitos chavões:
Você será julgado pelas companhias que tem; ou você vai ver o que vai acontecer; não desperdice, isso é um pecado.
Emite julgamentos - fulano é assim.. assim... e sabe direitinho, ou pensa que sabe, as razões do outro.
É preconceituoso - emprega com frequência - sempre, jamais... nunca faça, nunca se esqueça... você deve...
É moralista - dita normas.
Faz críticas pejorativas - você não faz isso, não consegue... É controlador - fica de olho no que os outros fazem, quer saber de tudo, estar a par. Se quisermos ver o PC frustrado, é só deixá-lo perceber que aconteceu algo sem a sua indispensável participação.
Pai Protetor - Como protetor positivo, ensina, apóia, mas não tem limite, passa a agradar, bajular, quer ser elogiado, parecer bom. É complacente, faz pela criança, pelos adultos, por todos. Resolve a vida de todos. Normalmente se mostra assoberbado. Quer evitar situações desagradáveis para a criança, tirar os empecilhos, não quer que sofra. Também dá normas, mas são mais construtivas, se bem que de forma insistente.
Criança Adaptada - Ofende-se facilmente. Não confia nas pessoas. Grande agitação senta, levanta, fala infantilmente usando argumentos não fundamentados. Inclina a cabeça, dirige muito os olhos para cima. Quando sentado, balança a perna, balança a cadeira, não fica quieto. Faz cenas, pode chorar, dar gritos histéricos.
Criança Natural - A característica é a espontaneidade.
Emoções fundamentais autênticas:
- capacidade de amar em profundidade e exercer a sexualidade.
- alegria, senso de humor.
- quando haja razão real - tristeza, medo, raiva.
- criatividade, curiosidade, interesse.
Adulto - Ponderado, razoável, capaz de diálogo e de análise imparcial.
Temos, portanto, 5 departamentos. Os 4 colaterais exercem pressão sobre o Adulto e determinam seu comportamento. Vejamos, então, como se exteriorizam esses departamentos.
Imaginemos uma pessoa extremamente responsável, 4 diplomas. Sendo mulher, sustentou 5 filhos, sozinha, até a faculdade. Quem conhecesse essa pessoa diria: Puxa vida, que “Adultão” essa pessoa tem. No entanto, esse Adulto era apenas aparente. Todo o seu comportamento havia sido impulsionado pelos:
a) PP - resolve carregar as coisas e não se tornar vítima.
- Tem grande desejo de receber elogios.
- É sempre agradável para com todos e nunca diz não, uma vez que a opinião dos outros é importante.
b) PC - Obstinação de ser perfeita. Senso de moral bem estereotipado, asfixiante.
c) CA - Toda a imersão dentro de responsabilidades, toda essa vida extremamente ocupada, tinham por finalidade uma fuga, ou seja, a sublimação de recalques emocionais. Toda sua produtividade era a utilização de substitutivos compensadores de frustrações.
Pois bem, essa pessoa teria o seguinte egograma:
|
Do ponto de vista transacional, essa pessoa não tem Adulto. Não transaciona consigo mesma, estabelece uma luta titânica, constante, para manter o equilíbrio. Não é feliz.
Não transaciona bem com os outros; cria atritos. Pode até não criar com estranhos porque quer agradar, mas fatalmente criará com os mais íntimos.
Ao passo que essa pessoa for soltando a CN, irá diminuindo CA, PC e PP. Ao mesmo tempo vai despertando o A, ou seja, a capacidade de enfrentar a vida de forma consciente, de detectar os fatores da realidade, de levantar perspectivas justas e vai abandonando as atitudes de fuga, de conjecturas subjetivas, de desculpas.
Suas atitudes podem parecer as mesmas, mas, transacionalmente, ela estará crescendo. Diminuem as tensões internas, os atritos com os semelhantes. Não se ofende com o que vem de fora, com o que dizem. Melhora a comunicação com os outros.
No próximo item veremos a dinâmica da auto e da hétero comunicação e de que forma os departamentos influem.
|
Todo o nosso equilíbrio interno depende do bom fluxo entre os departamentos tal como está demonstrado no desenho ao lado. Somente assim haverá autocomunicação.
O ideal é os departamentos se revezarem de forma sadia, com o Adulto dominando a situação, completamente liberto para analisar, atualizar, limpar o “computador” dos preconceitos e decidir, sempre levado pelos conceitos que ele próprio tenha desenvolvido.
A CN deverá sentir intensamente, sem distorções.
O que acontece, porém, é que, normalmente, o fluxo não se faz dessa maneira.
|
No esquema ao lado, por exemplo, o A fica sem elementos. Ou domina o PC dando ordens, chato, sem o menor senso de humor, ou o PP superprotetor, um pouco escravo dos outros, ou domina a CA com reações emocionais desequilibradas e cujos bloqueios estabelecem grande luta interna.
Um indivíduo dominado pelo PC e pela CA pode, por exemplo, reagir da seguinte forma:
Se numa festa beber um pouco fora da conta e soltar a Criança Natural, pode começar a dançar. Vai diminuindo o efeito da bebida e, lá de longe, o Pai Crítico começa falando: "Você está fazendo papel de bobo". A Criança Adaptada retoma o lugar e ele volta a sentar-se num canto, envergonhado: "Que papelão!" E passa a achar ridículo ver outros dançando e pulando caoticamente.
Essas imposições dos departamentos desequilibrados causam ansiedade, angústia, sentimento de culpa, insegurança e “stress”.
A mesma pessoa, normalmente, deveria atuar em vários departamentos conforme as circunstâncias. Eles devem se suceder e funcionar em todas as etapas da vida. Por exemplo:
Criança de 5 anos
Pai Crítico - repreende o irmãozinho tal como faz a Mãe;
Pai Protetor - quando põe a boneca para dormir;
Adulto - faz perguntas sérias - "onde é que você vai buscar meu irmãozinho?"
Criança Natural - conversa com a boneca, brinca, ri;
Criança Adaptada - fica brava, bate o pé, faz birra.
Essa mesma criança aos 35 anos
PC - ralha com os filhos - é, às vezes, chata para o marido.
PP - alimenta o bebê- cuida do marido.
A - cozinha, faz compras.
CN - intuitiva - conta piada.
CA - reage infantilmente, emburra.
Quanto mais equilibrada a pessoa, maior o intercâmbio e maior a predominância do Adulto.
Digamos, por exemplo, um Pai, procurando escola bem informal, que estimulasse a criatividade, poderia experimentar as seguintes sensações:
PC - Não posso imaginar como é possível alguém aprender alguma coisa numa escola destas. Quanta sujeira por todo o lado!
A
CN - Depois de receber todas as informações: "Para dizer a verdade, quem me dera ter frequentado uma escola como esta!”
Jogando com esses departamentos, existem 3 tipos de transações entre duas pessoas..
1. Transação paralela ou complementar - sempre com sucesso.
2. Transação cruzada – destruidora de uma convivência harmoniosa.
3. Transações ulteriores - mescladas de segundas intenções.
Vejamos o jogo desses 3 tipos de transação:
· Transação paralela ou complementar
A Transação Paralela ocorre quando a mensagem enviada por um departamento atinge o departamento do outro conforme era esperado por quem iniciou a comunicação e a resposta vem desse departamento. É a única que funciona. Exemplo:
Marido chega em casa, senta na poltrona e, com a Criança Natural diz: "Estou tão cansado! Foi um dia pesado hoje!". Ele busca o Pai Protetor.
Se a esposa disser: "Eu imagino! Seu cargo exige tanto! Muitos problemas? Tire a gravata. Espere ai, vou buscar suas chinelas". Ela terá recebido com o Pai Protetor e a transação é paralela e o diálogo pode ir até tarde da noite.
Mas, se ao invés disso, ela responder com a Criança Adaptada: "Eu também estou exausta!" Com inflexão de quem diz "Arrume-se, ou você pensa que eu não faço nada!", a transação fica cruzada e a conversa pára. Provavelmente os dois acabarão emburrados.
A transação cruzada, aquela cuja resposta não procede do departamento buscado, é uma grande fonte de sofrimento humano - na família, no emprego, entre amigos. Nem a luta pela sobrevivência, atropelos, filas, faz sofrer tanto. Nas situações as mais triviais e corriqueiras, se a mensagem expedida não chega ao Ego certo, o sinal fica vermelho e há descarga hormonal nos organismos envolvidos. Há um prejuízo biológico.
Exemplos de transações cruzadas
1.- O Supervisor, com o Adulto, dirige-se para o Arquivista: "Você enviou os contratos para fulano?" Ele busca o Adulto. Se o Arquivista respondesse: "Sim, mandei, ou não deu tempo", ou qualquer outra explicação, com o Adulto, tudo bem.
Mas se o Arquivista respondesse de forma agressiva, com sua CA.: "Claro, o senhor não mandou? O que o senhor esperava que eu fizesse?" Os dois ficariam azedos, porque a transação não se completou segundo a expectativa do interlocutor.
2. Se a esposa se expressa preocupada e angustiada com a doença da Mãe, com uma mensagem vinda da Criança Natural, essa mensagem é dirigida ao Pai Protetor do esposo. É uma emoção real buscando apoio. Se a resposta vier do Pai Protetor e o marido encorajar, consolar, a transação fica paralela, complementar. Mas, se o marido disser, por exemplo: "Você alimenta os seus problemas, vive sempre preocupada!", a resposta terá vindo do Pai Crítico. e a transação fica cruzada.
3. Se um empregado, ao se candidatar a um emprego, perguntasse com o Adulto, buscando o Adulto.: "Qual é o salário deste emprego"? e o chefe respondesse: "Começa com cem reais", tudo bem. Mas se a resposta fosse: "Você se preocupa mais com o salário do que com as tarefas?". A transação ficaria cruzada.
4. Ela, com o Pai Protetor, buscando o Pai Protetor do marido e referindo-se a crianças que perderam o Pai: "Aquelas crianças realmente sentem a falta do Pai". Se o marido respondesse: “É verdade, vamos levá-las ao parque para que se divirtam” teria recebido com o PP e a transação seria paralela. Mas se a resposta fosse: "Pare de pensar no problema dos outros, chegam os problemas que já temos com nossos filhos", a transação teria cruzado.
5. Se ele, com a Criança Natural dissesse: "Gosto muito de você" e ela recebesse com a Criança Natural, poderia dizer: "Eu também gosto muito de você". Mas se a resposta fosse: "Você já falou isso mil vezes! ou Vamos virar o disco", a transação teria ficado cruzada.
6. Se a funcionária dissesse ao patrão, com a Criança Natural, buscando seu Pai Protetor: "Estou tão preocupada com meu filho que não consigo me concentrar neste relatório". Se o patrão dissesse: "Pode deixar o trabalho mais cedo e ir vê-lo no hospital", teria recebido com o PP. Mas, se dissesse: "Você precisa se controlar" ou, "Misturar vida particular com trabalho não dá certo", teria devolvido com o Pai Crítico e cruzaria.
7. Se o marido perguntasse com o Adulto: "Que horas são?" Esperaria que respostas? Naturalmente, a hora que estivesse registrada no relógio. Mas, se por acaso, a esposa responder: "Não sei por que você está sempre tão apressado!" Cruzaria, porque ela terá respondido com o Pai Crítico.
8. Se o marido, com o Adulto, perguntasse: "Você pode levar o carro para a revisão hoje?" Esperaria resposta: Sim ou não. Se a resposta, todavia, for: "Hoje é dia de passar roupa. Vou fazer bolo de aniversário para o Joãozinho, o gato precisa ir ao veterinário, e você ainda quer que eu leve o carro para a oficina?”. Claro que cruza, pois respondeu com a Criança Adaptada.
As transações ulteriores são as mais complexas. Diferem das complementares e cruzadas porque envolvem sempre mais de dois Estados do Ego. São empregadas para mascarar os departamentos através de insinuações. Quando uma mensagem ulterior é enviada, está disfarçada sob uma transação socialmente aceitável.:
Exemplos de Transação Ulterior:
1.- Se um rapaz diz para uma garota: "Não gostaria de subir até meu apartamento para ver os quadros que comprei?" Pode haver intenção dupla: na aparência é o Adulto fazendo um convite absolutamente idôneo, mas, por detrás, está um convite da Criança Natural.
2.- Marido chega e pergunta: "O jantar ainda não está pronto?" Poderia ser o Adulto, mas, dependendo da inflexão de voz - "O jantar ainda não está pronto?" - estaria, por detrás, o Pai Crítico. Essa entonação atinge a Criança Adaptada e virá resposta desagradável na certa, como por exemplo: "Todo o dia está pronto, por que hoje não estaria?"
O ser humano se relaciona muito dessa forma, por meio de indiretas, levando a crer que o culpado é aquele que se ofendeu. Diante da resposta azeda, o marido poderia sair pela tangente: "Puxa vida, minha pergunta foi tão inocente! Eu só queria saber se o jantar está ou não pronto, só isso!" Ele tem um jeito de pular fora e deixar o outro na enrascada.
Este mascarar as intenções, dá início aos jogos extraordinários que fazemos no relacionamento com nossos semelhantes, assunto que iremos estudar mais adiante.
Além dessas transações, existe uma abordagem negativa que se chama Desqualificação:
Esposa, com CN - "Que tal se fôssemos jantar fora hoje?!"
Marido - "Pra mim, tanto faz - o que você quiser, querida". Claro que jogou água na fervura.
Criança - "Estou com medo!
Adulto - "Medo de que? Deixe de bobagem! ou Tire isso da cabeça! Volte pra cama!"
Mulher para marido, com Adulto - "A que horas você vem para jantar?"
Marido - "Estarei em casa quando você me vir chegando!, dando a entender, "Que pergunta cretina!"
Quanto mais a pessoa desenvolve o Adulto, menos sofre. Passa a conduzir melhor os relacionamentos; não deixa seus departamentos serem atingidos, principalmente pela CA. Na intimidade, porém, é preciso que os dois interlocutores aprendam a se comunicar.
Em uma sábia abordagem de Rogers, devemos sempre colocar como nos sentimos e nunca acusar o outro. Por exemplo:
CN.para o patrão: "Eu fico tão sentida, magoada, quando o senhor grita". Ao invés de uma abordagem com o PC: "O senhor só sabe falar gritando. Já estou cheia!” Naturalmente haveria explosões.
A única forma de abrir as cartas é com a CN, porque não atinge o interlocutor.
As comunicações desagradáveis têm por objetivo provar que as conclusões a que chegamos a respeito da vida e de nossos semelhantes, através das pressões que recebemos, são verdadeiras.
6 - Resultado das pressões do ambiente
Vamos reconsiderar a influência das três principais formas de pressões do ambiente sobre o indivíduo, apenas citadas no item três - parte b, fornecendo mais elementos para que se perceba o seu campo de abrangência: a) Injunções; b) Atribuições; c) Desqualificações.
a) Injunções - são pressões inibidoras que dão a entender, por exemplo: não penses, não vivas, não cresças, não sintas.
b) Atribuições - são expectativas colocadas sobre a criança de modo repetitivo, de maneira que ela se sente na obrigação de corresponder - você é muito inteligente, muito asseada, muito esperta, você é um garoto formidável, fulano nasceu para ser médico. Mas as atribuições podem ser negativas: deixe de ser bobinha, você é alta demais, deixe de ser covarde, você é mole como uma tartaruga. Dirigindo-se a terceiros na presença da criança: Ele não é sociável; é preguiçoso etc.
c) Desqualificações - ignorar as colocações da criança ou de um adulto, menosprezar, caçoar etc.
Essas pressões atacam três aspectos básicos do comportamento:
1- Intimidade - capacidade de dar e receber amor em qualquer nível.
2- Consciência - capacidade de pensar, de entender o mundo.
3- Espontaneidade - capacidade de expressar a Criança Natural.
Entende-se por “Script”, a elaboração de um tema, de uma linha diretriz de comportamento. Essa decisão que, normalmente, chega aos 7 anos, torna-se como que uma profecia que se cumpre a si mesma, como uma peça teatral. A pessoa procura companhias que se adaptam aos papéis da peça. Os parceiros se atraem pela presunção de que seus "Scripts" são complementares..
Existem inúmeras facetas de "Scripts" de vida, mas todos se enquadram nesses 3 pontos acima citados e que são pontos básicos da estrutura psíquica:
1. Intimidade, ou seja, “Falta de amor”: é baseado na falta de carinho e de afeto e resulta de uma série de injunções, ou proibições, sofridas na primeira infância, endereçadas à capacidade de amar - "Não se aproxime", "Não confie", "Vá brincar longe". A criança passa a sentir que não é amada e nunca virá a sê-lo.
2. Consciência, ou seja, “Falta de cabeça”: é baseado em injunções que atacam a capacidade de pensar. A base dessas injunções é a desqualificação; elas acabam matando a racionalidade e a intuição. - "Não se meta", "Fique quieto no seu canto", "Não diga bobagem", "Você não consegue".
3. Espontaneidade, ou seja, “Falta de alegria”: É baseado em injunções que atacam a expressão de alegria - "Pare com esse barulho", "Não quero ouvir essas risadas", "Parece boba, rindo à toa". Levam a criança, desde cedo, a desconsiderar suas sensações e mensagens físicas agradáveis. Passam a alienar-se das sensações corporais.
Vamos dar um exemplo de "Script". Mulher que concluiu "Fique só", baseada em injunções "Homem não presta", "O mundo é mau", etc.
A pessoa passa a vida, de forma inconsciente, mas magistral, engendrando meios para provar o seu tema - "Ninguém presta e, portanto, é melhor ficar só". Luta tremenda porque a conclusão é errada e a Criança Natural quer companhia.
Quando casa, tanto atazana o cônjuge que ele acaba pondo o chapéu na cabeça e indo embora. Aí, ela chora, mas, lá dentro venceu - "Está vendo como homens não prestam! Abandona mulher com 4 filhos".
É preciso, porém, lembrar um detalhe importante: em geral, o portador de qualquer “Script” busca companhias, cujas características pessoais vão ajudá-lo a provar suas conclusões. Aquela que tem "Fique só", por exemplo, tende a escolher um parceiro mulherengo, que pode até fazer a corte frontalmente, de propósito para provocá-la; ou, então, pessoa que não assume a casa etc.
Para cumprir o "Script" de vida é que as pessoas começam empregando aquelas formas inadequadas de inter-relacionamento e que resultam nos chamados Jogos. Esses jogos começam desde cedo. A criança joga com os Pais para conseguir o que quer. A modificação das emoções fundamentais para agradar aos adultos, já é um jogo.
Como os parceiros se atraem pela presunção de que seus "Scripts" são complementares, a convivência permite jogos, brigas que se desenrolam numa espécie de círculo vicioso.
Veremos esses jogos no item 8, mas antes, veremos o quanto o ser humano precisa de atenção e carinho, particularmente durante o período de formação da personalidade.
7 - Strokes = Afagos = Carícias.
As grandes pressões do ambiente vão distorcendo as características fundamentais da personalidade, como por exemplo:
1. A pessoa adquire aquilo que a Análise Transacional chama de Disfarces, assunto que foi tratado com mais detalhes no capítulo IV. Em síntese, quer dizer que a pessoa passa a disfarçar suas reações espontâneas:
- ao invés de externar raiva, ela passa a chorar;
- ao invés de ficar triste, ela fica impassível;
- ao invés de externar alegria, ela fica ansiosa;
- ao invés de pedir coisas espontaneamente, ela se cala e finge que não quer nada.
2. A pessoa vai elaborando pequenas conclusões sintéticas e abrangentes, como por exemplo:
- nunca posso demonstrar meus sentimentos, emoções;
- não posso desfrutar a vida, preciso esforçar-me sempre;
- não posso errar, preciso ser perfeito;
- não posso pensar por mim, os outros é que sabem o que é certo.
Estes disfarces e estas conclusões se instalam pela necessidade de “Strokes”, ou seja, pela necessidade de agradar os que nos cercam e receber deles a aprovação.
Pesquisas científicas indicam que a estimulação é uma das necessidades primárias dos organismos superiores. É tão forte quanto qualquer outro instinto. O afago é uma forma especial de estimulação que uma pessoa pode dar a outra. Os afagos podem variar desde contatos físicos reais até elogios, aprovação, gestos, expressão facial etc.
É fácil notar que o primeiro contato da criança com as coisas é pelo tato. Podemos dizer que ela "não vê com os olhos", mas "vê com as mãos". Se esta fase for bem elaborada, ajuda o desenvolvimento das fases posteriores, no sentido do desenvolvimento de uma vida afetiva equilibrada.
O toque, seja por que motivo for, estimula uma química infantil para o crescimento físico e mental. Crianças que foram negligenciadas, ignoradas ou que, por qualquer motivo, não foram suficientemente tocadas, podem chegar a sofrer degeneração física e mental, com gravidade até mesmo mortal.
Crianças recém nascidas, afastadas do toque normal depois do nascimento, crianças pequenas postas em orfanatos e crianças educadas segundo a regra de que pegar bebês no colo deixa-os mal educados, poderão ter uma carência de toque semelhante às deficiências de nutrição. Ambas atrasam o desenvolvimento.
Confirmando essa teoria:
Wilhelm Reich (1.879 - 1.957) também ressalta a importância do toque da Mãe na primeira infância. Fala da passagem de uma energia que ele denominava de Orgone e que corresponderia ao Prana, ao Magnetismo, energia vital apregoada pela acupuntura.
Eric Berne, organizador da Análise Transacional, afirma que se pode postular uma cadeia biológica partindo da privação emocional e sensorial, passando pela apatia e mudanças degenerativas até à morte..
Caso retirado do livro "Nascidos para Vencer":
Quando o pai de Susana a deixou num grande hospital infantil, tinha só 22 meses. Entretanto, pesava o mesmo que uma criança de cinco meses. Praticamente não tinha habilidade motora, não podia engatinhar, nem mesmo balbuciar. Se alguém se aproximava, rompia em lágrimas.
Depois de três semanas, durante as quais ninguém a visitou, uma assistente social entrou em contato com a Mãe. Pai e Mãe estavam acima da média em matéria de educação, todavia, a Mãe afirmava que Susana não gostava de ser carregada e preferia ficar sozinha. Disse que desistira de tentar estabelecer contato com ela e, a respeito de voltar a tomar conta de Susana admitiu: "Não quero fazê-lo nunca mais".
Os exames demonstraram não haver nenhuma razão física para o extremo retardamento mental e físico de Susana e seu caso foi diagnosticado como Síndrome de privação maternal. Uma mãe substituta, voluntária, foi chamada para dar a Susana cuidado afetivo durante seis horas por dia e durante cinco dias da semana. A equipe do hospital também dava a Susana bastante atenção: era carregada, ninada, brincavam com ela e a alimentavam com uma abundância de toque físico.
Dois meses depois, ainda que estivesse bastante retardada, Susana tinha desenvolvido uma reação afetiva bastante acentuada. Também havia ganhado peso e crescera. Sua habilidade motora fizera grandes progressos. Podia engatinhar e andar, se amparada. Sem temor, era capaz de se relacionar com alguns estranhos. Um cuidado carinhoso e terno havia produzido um efeito notável em Susana.
Quando uma criança cresce, a ânsia primitiva e primária de toque físico real é modificada e se transforma em anseio de aceitação. Um sorriso, um cumprimento, uma palavra, uma carranca, um gesto eventualmente, substituem alguns toques de carinho. Com o toque, essas formas de aceitação, tanto positivas como negativas, estimulam o cérebro de quem as recebe e servem para verificar que ele está lá e vivo.
Os adultos poderão precisar apenas de afagos ocasionais, simbólicos, tais como elogios, expressões de apreço etc.
Se observarmos, veremos que nossa cultura anula os "Strokes". Não se pede e não se dá. Se alguém elogia, logo a pessoa como que se defende: “Não é tanto assim!". Se focalizam a beleza, lá vem o argumento: "Preferiria que notassem minha inteligência!". É preciso aprender a pedir e a dar "Strokes".
A necessidade de "Strokes" é uma das principais forças motoras do comportamento humano. Essa necessidade é tão forte que as pessoas contentar-se-ão com "Strokes" negativos quando não conseguirem obter os positivos. Uma criança pode tornar-se malcriada e até delinquente, levando os Pais a esbofeteá-la, repreendê-la ou rebaixá-la, somente para receber um pouco de atenção, para se sentir notada.
A indiferença e o menosprezo são arrasadores. A seguinte historia está registrada oficialmente: Certos Pais ignoravam por completo tudo quanto o filho fizesse, quer fosse comportamento bom ou mau. Para chamar a atenção, empregava os mais extravagantes artifícios. Como nada funcionasse, um belo dia resolveu fazer um grande furo na parede do seu quarto e esperou pela bronca que viria saciar sua sede de "Strokes"! Passaram-se os dias no maior silêncio, até que, em certo momento informal, ouviu a Mãe dizer a alguém: "Acho que o Pedro caiu contra a parede do quarto, porque ela apareceu com um furo!".
Não há necessidade de palavras para menosprezar, basta o tom de voz, a expressão, gestos, postura. Cônjuges podem lamentar-se, gastar demais, ficar fora até tarde, namorar, beber, brigar ou, de alguma forma, provocar rixas.
O mesmo sucede com pessoas que trabalham no mesmo ambiente. Operários podem se tornar lerdos, cometer erros, ferir-se. Os estudos demonstram que, se um local de trabalho é estéril de sentimentos, a produção cai e conflitos aparecem. Num estabelecimento industrial, um supervisor se queixava de que um de seus empregados de laboratório passava muito tempo no bebedouro, deixando o seu laboratório isolado, sempre a procura de alguém para conversar. O supervisor, depois de treinado em AT., tomou o hábito de dar uma chegada até o laboratório, com pequenos intervalos, para uma breve e amigável conversa com este funcionário. As idas ao saguão diminuíram consideravelmente.
Relativamente ao controle da disciplina, é muito mais eficaz a aplicação de "Strokes" de qualquer natureza, aplicados naturalmente com sabedoria, do que a brutalidade e as punições severas.
O segredo da aplicação de "Strokes" está em ver, enxergar, comentar, expressar-se sobre fatos, atitudes, atos, enfim, dar atenção.
Pessoas que, por uma ou outra razão, não conseguem receber qualquer tipo de reconhecimento e aprovação, tendem a obter essa recompensa jogando jogos que constituem rica fonte de "Strokes", os quais, apesar de serem, na maioria dos casos negativos, todavia, satisfazem.
Estudaremos esses jogos no próximo item.
Jogos são transações que as pessoas mantém com os parceiros ou com outros elementos do relacionamento mais íntimo, para comprovar determinadas conclusões inconscientes a que elas chegaram.
Existem, de maneira geral, vários tipos de jogos:
- de primeiro grau - jogado de portas abertas sem dano físico ou moral;
- de segundo grau - portas fechadas, com palavrões, pratos quebrados etc.;
- de terceiro grau - graves consequências, com pronto socorro, policia, necrotério.
Podem ser jogados:
- a 2, envolvendo o sexo, envolvendo local de trabalho, problemas matrimoniais e sociais;
- a 3 ou mais, quando envolvem pessoas ligadas ou não à convivência familiar, profissional etc.
São exemplos, todos retirados da bibliografia anexa:
1. A conclusão "Os homens são tirânicos e perversos porque não deixam a esposa fazer as coisas que deseja", resulta no jogo "Se não fosse por causa dele..."
A Sra. X. queixava-se de que seu marido restringia suas atividades sociais a um ponto tal, que ela jamais chegava a obter um diploma qualquer. O Sr. X. submeteu-se a tratamento psiquiátrico e tornou-se menos seguro em relação às pressões que exercia sobre a esposa e adquiriu uma atitude mais indulgente. A Sra. X. ficou então livre para alargar o âmbito de suas atividades. Matriculou-se em uma Faculdade de Direito e aí descobriu - para seu desespero - que tinha um medo mórbido das responsabilidades advindas de sua nova profissão e teve de abandonar esse projeto.
Esta desastrada tentativa, assim como outras semelhantes, deixaram a descoberto alguns aspectos importantes da estrutura do casamento da Sra. X.
Entre os muitos admiradores que tivera, ela escolhera para marido justamente um homem dominador. Ficara, assim, em condições de lamentar que poderia fazer toda a espécie de coisas "se não fosse por causa dele". Muitas de suas amigas também tinham maridos dominadores e, quando se encontravam para suas reuniões, despendiam muito tempo jogando "Se não fosse por causa dele...".
As proibições, no entanto, num plano inconsciente, eram para ela uma grande vantagem pois, além de mantê-la à salvo de enfrentar a vida, provava também uma coisa que ela sempre dissera: "que todos os homens eram perversos e tirânicos". E mais ainda, as proibições dele e as queixas dela, frequentemente, levavam o casal a brigar, o que prejudicava seriamente sua vida sexual, para a qual ela não estava liberta.
2. Conclusões: "Mulher fria", "Homem não presta".
Este é um jogo conjugal porque é praticamente inconcebível que uma ligação informal viesse a apresentar as oportunidades e características necessárias por um período de tempo suficiente para sua realização. O marido procura a esposa e é repelido. Depois de repetidas tentativas, ela lhe diz que todos os homens são uns animais, que ele na verdade não a ama, e que só se interessa por sexo. O marido desiste por algum tempo e depois tenta de novo com o mesmo resultado. Finalmente, acaba por desistir e não faz mais tentativas. Com o passar do tempo. a mulher começa se expondo mais e, de vez em quando, parece até provocante. Atravessa o quarto de camisola transparente, ou esquece a toalha de banho para poder pedi-la ao marido. Se ela é uma jogadora pertinaz ou se beber um pouco mais, poderá flertar com outros homens nas festas. Por fim, o marido reage e tenta de novo. Mais uma vez é repelido e sai batendo a porta. Desta vez o marido decide que está realmente farto de tudo aquilo e que eles têm de encontrar um "modus vivendi" assexuado. Passam-se os meses. Ele não mais dá atenção ao desfile em “nêgligês” e à manobra da toalha esquecida. A mulher se torna mais provocadoramente distraída, mas ele resiste. Até que uma noite, ela se aproxima e o beija. A princípio ele não reage, pensando em sua resolução, mas logo a natureza segue o seu curso, após tão longo jejum, e ele acaba pensando que desta vez tudo vai dar certo. Suas primeiras tentativas experimentais não são repelidas. Ele se torna cada vez mais ousado e, justamente no ponto crítico, a esposa recua e exclama: "É como eu sempre falei! Todos os homens são uns animais; eu só queria um pouco de carinho e você só se interessa por sexo!" O que deve ser ressaltado é que o marido, a despeito de seus protestos, é tão receoso de intimidade sexual quanto sua mulher, e que ele escolheu exatamente para companheira alguém que minimizasse o perigo de exigir demais de sua potência.
3. Jogo do triângulo:
No jogo do triângulo, o mais comum existente entre as pessoas, o mesmo jogador pode intercambiar as posições e, com isso, os jogos resultam em três papeis:
1° passo - Perseguidor - Ataca com qualquer agressão. É fácil, é só usar uma transação cruzada.
2.° passo - Vítima. O que recebe a agressão se coloca na posição de vítima - emburra, devolve a agressão, chora.
3.° passo - Para poder continuar o jogo, para não perder o comparsa, o perseguidor vira Salvador e pode vir se desculpar ou agradar.
Pode dizer: "Eu não quis dizer aquilo. Não foi para ofender". A Vítima se recupera e a convivência continua mais ou menos até que um deles recomeça o jogo, quando um deles faz nova agressão.
4. Um jogo extremamente comum é o "Sim, mas...":
X. Meu marido insiste em fazer consertos, mas não dá certo.
Y. Por que ele não faz um curso?
X. Sim, mas não tem tempo...
Y. Por que não contrata um profissional?
X. Sim, mas ficaria muito caro.
E nenhuma solução do mundo seria aceita.
5. Só para ilustrar como podem começar os jogos:
Mônica de 7 anos de idade, sentiu dor de estômago à mesa do jantar e pediu para se retirar, explicando o motivo. Seu irmãozinho Paulo, de 3 anos, disse então que também estava com dor de estômago, desejando evidentemente ser alvo da mesma consideração. O Pai, que era analista transacional encarou o pequeno e disse: "Você não está querendo brincar daquele jogo, está?” O pequeno caiu na risada e ficou à mesa. Se o caso tivesse se passado numa família constituída por pessoas com mania de doença, Paulo também teria sido mandado para a cama pelos Pais alarmados. Se o episódio se repetisse diversas vezes, esse jogo podia se tornar uma parte do caráter de Paulo, como acontece frequentemente quando os Pais cooperam. Sempre que ele viesse a sentir ciúmes de um privilégio concedido a algum competidor, alegaria doença para conseguir um privilégio para si. Certamente corria o risco de tornar-se hipocondríaco.
Os jogos são repetitivos e se processam numa mesma sequência. As pessoas surpreendem-se falando as mesmas palavras da mesma maneira, só o lugar e a ocasião podem mudar. Talvez a repetição contribua para o que é frequentemente descrito como "Sinto como se eu, já alguma vez, tivesse vivido esta mesma cena".
Os jogos têm sempre uma finalidade, nunca são aleatórios. Apesar de inconscientes são matemáticos.
Procurar prestar atenção a cenas e reações repetitivas dentro da convivência e verificar se não são jogos que buscam um desfecho - magoar o outro, ser adulado pelo outro, fugir do sexo etc.
O ideal é desenvolver cada vez mais o Adulto para ser capaz de ajuizar sobre os dados de uma transação, e ser capaz de se relacionar conforme as necessidades da ocasião, sem deixar cruzar os Estados do Ego. Basta isso para que a paz se estabeleça entre duas pessoas ou entre um grupo de pessoas.
A Análise Transacional tem outros inúmeros detalhes que ajudam a desvendar o que está por detrás dos comportamentos e cuja tomada de consciência ajudam a pessoa a se libertar. Seria muito extenso mencionar aqui todos esses detalhes, mas vale a pena procurar conhecê-los. Vide bibliografia no final do livro.