CAPÍTULO VII

"POLARIDADE DA EMOÇÃO"

 

Vimos que o homem é constituído por vários corpos, sendo que toda a sua dinâmica na face da terra se processa em sua alma que, por sua vez, é constituída por dois veículos que abrangem várias fases do mental e do emocional. É ela que liga o espírito ao físico que, por sua vez, tem dois corpos ‑ o físico e o vital.

Foi objetivo do último capítulo, o estudo de um dos componentes da alma, o mental, do ponto de vista funcional. Vimos a sua dualidade e as suas limitações.

Hoje, deveremos analisar o segundo componente da alma humana, que é a emoção, também do seu ponto de vista funcional, focalizando particularmente a sua dualidade, pois nesta fase de nossos estudos estamos procurando mostrar o reflexo no homem da polaridade Universal, ou seja, o reflexo da divisão do Uno em dois princípios opostos que deram, como resultado, a criação do Universo.

A dualidade da emoção é fácil de perceber. Confirmando o que já foi mencionado, ora somos tomados por sentimentos elevados, altruísticos e, outras vezes, brotam em nós emoções ligadas ao egoísmo, personalismo etc.

Bastaria citar alguns de seus princípios polares;

altruísmo

egoísmo

diligência

preguiça

caridade

inveja

humildade

soberba

desprendimento

avareza

Ira

mansidão

QUAL DELES É O BEM? QUAL DELES É O MAL?

 

O conceito que o Ocidental tem destes dois princípios é bastante errôneo, bastante deficiente. Nem tudo o que parece ser um bem é bem e nem tudo o que parece ser um mal é mal. Precisamos ir caminhando para o conceito de justiça, que é o equilíbrio entre estas duas forças, que também poderiam chamar‑se:

DEUS   e   DIABO

 Quando se fala em bem, o Ocidental pensa logo em algo da coluna da esquerda da tabela acima. Quando se fala em mal, pensa em algo da coluna da direita. Mas nós precisamos começar compreendendo que o bem e o mal são sempre valores relativos.

Esta dualidade da natureza humana está registrada com nitidez dentro da filosofia. O capítulo da axiologia surgiu única e exclusivamente em virtude da dualidade da emoção. Basta observar que o ser humano não consegue contemplar de modo neutro o mundo em que vivemos. As coisas que nos cercam provocam em nós um desejo de aproximação ou de afastamento, de atração ou de repulsão. É esta dualidade emocional que coloca o homem sempre a favor ou contra alguma coisa. Não posicionar‑se é um estado anormal.

O capítulo da dialética que estuda os processos de conhecimento que procedem por oposição e superação de contradições, afirma que cada coisa traz em si a sua própria contradição. Cada coisa é levada a transformar‑se em seu contrário. Por exemplo, a vida marcha para a morte, a atividade leva à exaustão, a criança caminha para a maturidade e, depois, para a velhice e a morte. Tudo chega a um fim que é oposto ao começo. Tudo é alimentado, animado, mantido e destruído pelo seu oposto. Na linguagem de Hegel (1.770-1.831), filósofo que estabeleceu os fundamentos da dialética moderna, cada coisa é ao mesmo tempo tese e antítese, o que seria dizer que cada estado de ser tem um aspecto positivo e outro negativo. O momento presente de cada coisa é uma síntese, mas esta síntese é o produto de um jogo de forças opostas. Quando um determinado estado chega ao extremo, gera o oposto, cria o germe da auto‑correção. Se analisarmos o exemplo já citado do fruto, veremos que ele é a síntese de um processo. Antes, foi flor e poderá vir a ser uma árvore. Houve um processo negativo que levou a flor a murchar. Depois, houve um processo positivo que transformou a flor no fruto. Agora, vai haver um processo negativo que levará o fruto a desintegrar‑se, apodrecer, para surgir a semente. Em seguida, haverá um processo evolutivo que levará a semente a se tornar uma árvore. É o contínuo jogo dos opostos.

Tudo vai se transformando, se modificando em virtude dessa lei interna de autodinamismo, provocada por uma contradição inerente à própria coisa. Uma força que impulsiona ao progresso e outra que leva ao declínio. Na natureza interna do homem verifica‑se o mesmo fenômeno. Ele progride, se transforma, evolui, em virtude da luta entre seus elementos psíquicos - emoção e mente - cujos componentes são polarizados.

Para situar bem a realidade destes princípios positivo e negativo, podemos recorrer à filosofia Oriental, particularmente à de Lao-Tsé que tem uma noção bem mais equilibrada desses valores. A Acupuntura, que é fundamentada nessa filosofia, afirma que existem duas energias no Universo, que circulam pelo nosso corpo vital e, também, pelo físico através do sistema nervoso, e que se chamam Yang e Yin. Vamos, provisoriamente, colocar Yang na coluna da esquerda, coluna considerada como Bem e Yin na coluna da direita, considerada como Mal. Acontece que a Acupuntura afirma que existem doenças provocadas pelo excesso de Yin, o que se compreende por estar do lado do Mal. Mas afirma também que existem doenças provocadas pelo excesso do Yang que está do lado do Bem. É difícil compreender que o princípio positivo possa provocar doença que é algo tão negativo, mas provoca. E diz que, para curar uma doença com excesso do Yang, ou se retira um pouco de Yang ou se junta um pouco do Yin. Do ponto de vista filosófico, não se poderia situar estes valores de modo fixo, tabelado. Não são princípios antagônicos, mas sim complementares. E a condição ideal entre eles é a de equilíbrio.

Então, para o Oriental, o que é uma doença? É o excesso ou a falta do Yang, ou o excesso ou a falta do Yin, de acordo com as necessidades do organismo. Por analogia, o que é um mal? É o excesso ou a falta de qualquer um destes valores morais em relação às necessidades da situação que está sendo vivenciada, das circunstâncias em que estejamos envolvidos.

Quer dizer que não é o valor em si mas, o que importa, é a aplicação do valor. Por exemplo, paciência ‑ será que se deve ser sempre, incondicionalmente, paciente? Será que não existem momentos em que realmente se deve ser impaciente? Altruísmo - será que se deve dar tudo, sem medidas?

Quer dizer que o Bem e o Mal não existem. Bem é um estado intermediário, é o ponto de Justiça na aplicação de qualquer um dos valores.

São palavras de Mário Roso de Luna (1.872-1.931), renomado ocultista e Teósofo Espanhol: "Como diria um matemático, o Bem e o Mal não são senão dois conjugados variáveis que determinam uma constante integradora sempre desconhecida, já que o que chamamos de bem e de mal são conteúdos relativos".

A emoção polarizada e considerada em seu aspecto de desequilíbrio, com predominância do negativo, dá um estado de ser que recebe, em teosofia, o nome de Egoidade. Egoidade é aquele princípio que faz com que o homem se considere como o centro do Universo, em torno do qual tudo deve girar. Existe um fenômeno interessante que leva o homem a adquirir este estado de Egoidade, fenômeno este que é regido por uma das leis da dialética, isto é, pelo estado de oposição existente entre as coisas. O homem, através de seus órgãos de percepção físicos, estabelece uma relação com o meio ambiente. Acontece que este meio é mutável, e é sempre interpretado pelo grau de consciência do homem, grau de consciência esse que também muda, mas cuja mudança o homem não percebe. Nós não percebemos, não nos compenetramos das modificações que se operam em nós, nem mesmo das alterações físicas que seriam mais fáceis de serem registradas. Então, aos poucos, o homem vai adquirindo a idéia de que tudo muda, exceto ele próprio... só ele é permanente dentro de um mundo completamente mutável e, com isso, desenvolve o sentido da egoidade, que é o princípio da separatividade, do ser como indivíduo, com necessidades que devem ser satisfeitas a todo o custo, mesmo que em detrimento do bem estar daqueles que o cercam. Quer dizer, o homem se tornou, em essência, um ser sumamente egoísta, egocêntrico. A egoidade era necessária no início do processo evolutivo, pois fortalecia o princípio da autodefesa, da sobrevivência do mais forte, tanto que está nitidamente expressa nos instintos primários ‑ defesa, agressividade, procriação.

Reforçando a idéia já exposta quando tratamos da reencarnação, vejamos o que vem acontecendo no terreno da emoção humana. O homem é sempre impulsionado a agir procurando satisfazer a sua emoção. Se observarmos, veremos que aquilo que move o homem à ação é a emoção , sendo que ela só pode reagir de duas maneiras. Existem coisas que agradam e coisas que desagradam. Naturalmente, o homem busca repetir os atos que agradam e evitar os atos que desagradam e acaba, então, entrando num círculo vicioso ‑ ação que produz emoção agradável, emoção agradável que leva à repetição do ato. Desta maneira, o homem se instala naquele tipo de comportamento bem explicado pelo reflexo condicionado, que foi estudado pelo cientista Pavlov (1.849‑1.936), fisiólogo e médico Russo. Ele fez experiências com animais verificando que eles realizariam qualquer coisa desejada se fossem emocionalmente gratificados no final das experiências. É o sistema de se educar esses animais amestrados que aparecem por aí em circos.

Pois bem, a emoção do homem reage da mesma maneira, ela quer ser sempre gratificada. Para o rompimento deste círculo vicioso, ação que produz prazer e prazer que incita à repetição da ação, é preciso recorrer a outro princípio interno, que é o da Vontade Superior, princípio esse que vem a ser o pivô da auto‑realização. Somente através do uso desta grande arma o homem conseguirá sair desta vivência rudimentar que visa a alimentação da emoção e conseguirá, então, elevar‑se à categoria de ser que busca alcançar a plenitude da sua personalidade. É importante observar que nem tudo aquilo que desagrada é mau e nem tudo o que agrada é bom. Neste jogo interno precisa haver um controle da mente, no seu aspecto razão, discernimento. Devemos meditar muito sobre a dinâmica destes três valores internos ‑ mente, emoção e vontade ‑ em sua atuação conjunta. Neste capítulo, estamos, didaticamente, procurando fazer uma análise da emoção básica do ponto de vista qualitativo, quanto possível estática. Esta análise mais específica do mental e do emocional poderá levar o leitor a entender melhor o próximo capítulo, quando trataremos da dinâmica entre os fatores da alma.

Todo o ser humano traz dentro de si este impulso para a busca de uma satisfação. Uns buscam riqueza, outros prestígio, uns se entregam à luxuria, outros a vícios, mas, todos, igualmente, ao alcançarem a meta, o impulso interior não fica satisfeito, pelo contrário, na maioria das vezes, provoca depressão, mal estar, necessidade de novas experiências com novas esperanças de encontrar satisfação.

Agindo assim, de modo a satisfazer apenas a emoção, o homem foi entrando cada vez mais pelos terrenos de sua emoção negativa, isto é, apesar de extraordinariamente inteligente, é um ser egoísta e surpreendentemente involuido em suas reações emocionais. O estado de ser do homem atual está muito bem representado na lenda do labirinto de Minos. O indivíduo que entrasse por esse labirinto, na ilha de Creta, não mais encontraria o caminho de saída. E, no final do labirinto, deparava‑se com o monstro Minotauro que o devorava. Em uma briga entre Atenas e Creta, o filho do rei de Creta é morto e, para compensar esta tragédia, Minos, rei de Creta impõe que 7 rapazes e 7 moças sejam anualmente entregues ao monstro. Teseu, estando presente quando da embarcação de um grupo de condenados que se dirigia para Creta, propõe‑se a ir junto e derrotar o Minotauro. O rei de Minos recebe a comitiva em seu palácio e sua filha, Ariadne, ao ver Teseu, se apaixona por ele e entrega‑lhe um novelo, cujo fio ele iria soltando ao longo dos labirintos a fim de encontrar o caminho de volta.

Este fio de Ariadne simboliza o mental e o Minotauro a emoção. Como o homem não consegue encontrar sozinho o caminho para sua libertação, o Eterno, de tempos em tempos, ou seja, ciclicamente, manda expressões de si mesmo, tais como Krishna, Orfeu, Odin, Zaratustra, Budha, Cristo, que são seres divinos humanizados e que nos vêm trazer as leis, que deverão ser seguidas a fim de que o homem consiga a sua despolarização. Eles são o fio de Ariadne que, despertando o mental do homem, o libertará do labirinto em que se encontra.

Conforme vimos quando da análise do mental, nenhum destes valores negativos pode ser abandonado. Eles constituem um dos dois pólos imprescindíveis do Universo, fazem parte da grande síntese Universal ‑ um é a tese, outro a antítese. Se abandonarmos um deles, jamais conseguiremos a síntese. O que é preciso é conseguir que estes dois princípios opostos sejam equilibrados, neutralizados. Então, não haverá nem bem, nem mal, mas tão somente a justiça, a Lei, o caminho do meio, o fio da navalha de que nos fala H.P.B.

No momento em que isto se der, o homem alcançará seu estado primitivo de unidade, quando então, também, automati­camente, alcançará o estado de paz e de felicidade que todos almejamos, porque penetrará novamente no paraíso terrestre do qual foi expulso na ocasião em que sua natureza se polarizou.

Através do trabalho de organização interna devemos transformar mente racional em Sabedoria e emoção em Amor Universal. Como resultado desta verdadeira alquimia, que é um trabalho gigantesco, de muitas vidas, iremos nos aproximando do entendimento do que seja Deus, porque iremos alcançando as potencialidades daquela Unidade Primordial que deu origem ao Macrocosmos, que é o Universo com toda a sua complexidade, e ao Microcosmos que somos nós, também um verdadeiro Universo, ainda não devassado pelos recursos da mente racional.

Quando o homem alcançar o perfeito equilíbrio entre os fatores da mente e da emoção, ele se tornará imortal, ele se divinizará, pois começará atuando nele, em toda a plenitude, seu princípio superior, seu espírito, que é uma partícula da própria Divindade.

O equilíbrio desses valores é que nos levará a conhecer o verdadeiro Deus, que é o perfeito estado de Justiça.

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